sábado, 30 de abril de 2011

meu amor em quatro partes

Te vi

Em meio a minha rotina, aos meus costumes, ao meu tão corriqueiro dia-a-dia, ao tédio das vagarosas horas que tantas vezes me fazem esquecer que o tempo passa de tanto parecer estagnado, à espera de uma brusca guinada. Em meio às coisas que me cercam, e que não mais vejo, pois de tanto conviver com elas, parecem estar mortas, perderam a cor e todo o seu gracejo. Em meio a uma esfera negra e um tempo nublado, onde pisava e não caía, de tanto andar pelo mesmo caminho, em busca da mesma saída, acostumado com o fim que nunca se repetia. Foi em meio a tudo isso que te vi, te encontrei. Na verdade, não. Foi a tua luz, a limpar toda a obscuridade do ambiente, que os meus olhos cansados e cegos encontrou.

Me vi

Apaixonado por você. Afinal, diante de tal perfeição, o que mais poderia eu esperar de meu tão ferido e lascado coração? Para ser sincero, eu não quis, lutei demais contra este sentimento. Não gosto de amar, pelo menos não de amar consciente, se é que tal tipo de amor existe. Por mais que soubesse que o início desta nova etapa findaria em algo não pior que um coração dilacerado e afogado no mar de suas próprias lágrimas, arrisquei-me. Aventurei-me na beleza de teu sorriso, no brilho estelar de teus olhos, na pureza e na doçura de tuas palavras, na exatidão tão imperfeita de teus movimentos, que me deixavam em absoluto êxtase. Encontrei-me sonhando contigo dia e noite, imaginando-me em teus braços, e você nos meus. Os meus desejos para o futuro não eram mais em relação a aonde eu viria a morar, ou como me sustentar, ou onde passaria meus verões, mas sim com quem eu iria morar, com quem eu dividiria minhas contas e a quem eu prestaria contas, ou com quem eu passaria meus verões. E para todos estes questionamentos, e para alimento de minhas esperanças, só havia uma resposta que meu coração encontrava: você.

Nos vi

Fadados ao fracasso nesta louca e inexistente relação. Mas por que, meu Deus, por quê? Fiquei dias e mais dias pensando que pecado havia eu cometido para que estivesse passando por tamanha dor. Tentei demais transformar a insanidade deste amor em sensatez, busquei racionalizar o que é sentimental em demasia. Pobre de mim! Todos os esforços que fiz foram em vão. Aprendi que o amor não se apaga e nunca é apagado. Amor não é o tipo de sentimento que se sente, e sim que se vive. E não há como fingir a não-existência de uma vida, não há como forjar a vida de alguém, não se pode colocar cordas nos membros de um ser e fazê-lo de marionete para sempre e também não se guarda uma vida para revivê-la mais tarde. E parecia que este meu amor era imortal, estava intrínseco a mim. O tempo passou, e parece que meus músculos faciais estavam acostumados demais a contraírem-se para chorar pra que qualquer sorriso aparecesse. Sofri, e sofri muito. Meu amor entrou em coma, e eu também. Afinal, o amor vivia, e não vivia em mim, vivia comigo. Meu corpo parecia esfarelar-se, destruir-se, consumir-se mais rápido que o próprio tempo. E assim ia meu amor, não para fora de mim, mas ainda mais para dentro, para um lugar onde eu não conseguia alcançar, para um buraco negro dentro de mim, pois acredito que a morte não é a saída da alma de corpo, e sim o processo de entrada dela, uma entrada tão profunda que alcança níveis inatingíveis, como uma fuga, do mundo e de si mesma. E ao chegar ao mais profundo, onde não podemos mais alcançá-la ou vê-la, aí sim, ocorre a morte. A alma encontrou seu esconderijo, aprisionou-se, e consigo levou a chave. Diante disto, não me haviam opções, embora eu, de fato, as quisesse naquele momento mais que o ar que respiro.

Ceguei-me

Fechei meus olhos. Assim como estava cego quando te encontrei, agora havia me cegado, e desta vez, para sempre. Simplesmente optei por não ver, não queria mais te ver e não poder tê-lo em meus braços. Não queria ver minha alma esconder-se em mim mesmo, não queria vê-la aprisionar-se para sempre. Respirei, e depois não mais. Antes disso, apenas uma promessa lhe fiz: quando ao céu chegar e uma estrela me tornar, não refletirei sobre ti o meu brilho. Quero ofuscar-te o quanto puder, para que a outros cegos olhos não venhas a iluminar, pelo menos não enquanto ao meu encontro não vier.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

do latim, solitudo

solidão é, para muita gente, motivo de incômodo, de tristeza e de dor. solidão é tida como sinônimo de escuridão, é o fundo do poço, onde, para todos os lados, os olhos se perdem em sua própria cegueira, incapazes de enxergar o que está à sua volta. não há saída, não há escadas, só resta esperar até que o solidário tire o solitário do poço. que perda de tempo e de pensamentos...

o poço da solidão é para mim lugar de alegria, conforto e aprendizado. é na solidão, quando não há ninguem por perto, pelo menos não alguém capaz de me ajudar, que eu faço companhia a mim mesmo. é na solidão que converso comigo, que me compreendo, que me analiso, que cego meus olhos biológicos para tudo o que há a minha volta, pois não quero saber o que cerca o meu poço, o quero apenas! é na solidão, onde, de tanto olhar para baixo, consigo achar uma saída para o aprisionamento de mim mesmo, aperfeiçoar-me, e voltar ao convívio e me relacionar com todos, encher minha taça dos vinhos que a mim são generosamente ofertados.

embriago-me, enlouqueço, afasto-me. vou para o meu refúgio: o poço. e como uma serpente, troco minha pele e meus sentidos. e então renova-se o ciclo, e eu também.

S-1

Se ao chegar da escuridão
Vieres em meu encontro
Tua presença me fará então
Repousar em doce sono
Se à noite, ao deitar-me
Em meu leito, a mim se juntar
Tudo em volta, paraste
Durmo ao coração, o palpitar
E se ao raiar da aurora
Teu corpo não encontrar
Acalmo-me sem demora
Sei que à noite voltas a me beijar
Pois me é mais válido
Viver a contigo sonhar
Do que, nem em devaneios,
Ter tido o prazer de te amar

-

para quê amor?
para quê carinho?
para quê o afeto?
para quê beijinhos?
para quê te quero em partes
se te gosto mesmo por inteirinho?


cansei de promessas de amor!
quero sentir contigo a dor
estar condigo aonde for
na tua falta
na minha magoa
quero beber de tua água


não quero mais pensar
que sentes o que eu sinto
não quero mais que penses
que eu sei o que a ti acontece
cansei, não posso mais mentir
a verdade é que contigo quero co-sentir

amor.2

amor é ciência, amar é ser cientista na idade média, é lutar contra tudo e contra quase todos, é sustentar uma idéia que não é pensada, e sim sentida. amor é convicção e amar é dúvida. é sofrer demais por ser questionado, pressionado e cobrado por um sentimento que somente a você cabe sentir, e a mais ninguém. o amor, de amável, nada tem para conosco. o amor é pena de morte e sem direito a advogados ou júri. amar é abrir os braços ao pular de um precipício e fechar o pára-quedas. amar é sentir o que os nobres pensadores medievais sentiam ao chegar da hora do fim: a vontade humana de viver e o desejo, insano, de ser morto.

amor.1

o amor, não o exijo. as pessoas falam muito do amor como sendo o sentimento mais nobre que existe, o bom sentimento a ser compartilhado, o sentimento que deve ser transmitido. eu não necessito do amor, para ser sincero. na verdade, de mesma maneira que não o necessito, não o quero. o amor traz consigo um pesar muito grande. o amor é como a rocha em seu estado bruto, porém que nunca acaba de se lapidar. o amor que me sujeitam está mais sujeito às vontades e perspectivas de quem ama do que às condições de quem é amado. o amor é frágil demais para ser manuseado com aventura, suave de menos para que não possamos sentir as suas dores e inconstante demais para sabermos qual é o próximo passo e insustentável demais para termos a certeza de que sua chama é digna de continuar acesa.